Quiron é um centauro. Uma belíssima figura mítica que a mitologia grega nos doou. Pensando em mitologia e diferença, a figura de Quiron é bastante ilustrativa para tratarmos da realidade existencial das pessoas com diferença funcional.
Os centauros são seres míticos, metade homem, metade cavalo. Ou seja, Quiron é a diferença encarnada, mesmo no contexto da mitologia, farto de personagens fantásticos.
No corpo diferente de Quiron habita o eterno conflito entre o homem e o animal, entre o civilizado e o não-civilizado. O personagem é mítico, mas o conflito é absolutamente humano e atual. O mito de Quiron é riquíssimo para a diversidade funcional. Quiron era filho de Crono e da ninfa Filira. Temendo ser destronado por um filho, Crono habitualmente devorava seus filhos. Sua esposa, Réia, não apóiava o hábito de Crono e resolveu esconder um filho do marido, evitando que este fosse devorado também. O filho em questão era Zeus. O encontro entre Crono e Filira aconteceu quando ele procurava por Zeus, querendo devorá-lo. Nessa busca, Crono encontra Filira e se encanta pela ninfa.
Crono deseja ardentemente Filira. Ali começa uma perseguição e Filira para escapar de Crono, transforma-se numa égua para despistá-lo, mas, não adiantou. Crono, por sua vez, transforma-se em um cavalo.
Desse encontro nasce Quiron, o centauro com corpo e pernas de cavalo; torso, braços e cabeça de homem. Filira fica perturbada ao ver o filho… “um bebê monstro”.
Quiron foi rejeitado pela mãe e nunca conheceu o pai… Daqui em diante a história desse centauro apresenta desdobramentos muito familiares para nós que somos diferentes.
O susto e a atitude de Filira ocorrem porque a diferença assusta, incomoda, perturba…
O pai substituto de Quiron faz qualquer filho abandonado, agradecer aos céus os pais que não tiveram. A mãe de Quiron virou paisagem (a bela ninfa foi transformada numa árvore) e o filho abandonado, teve como pai Apolo, um dos deuses mais importante do Olimpo. Ao assumir Quiron, Apolo torna-se também seu mentor. Dessa forma, Quiron tornou-se um sábio. Era também professor, profeta, músico… seus poderes de cura eram muito conhecidos. Quiron foi mentor de vários heróis gregos, conhecia todas as artes e perícias que garantiam a sobrevivência, como a caça, a arte da guerra, o domínio do arco e etc…Fora do campo da sobrevivência, era notável por seus conhecimentos sobre ritos religiosos, ética, ciências naturais e música.
Além da diferença encarnada, o que mais nos aproxima de Quiron, é uma ferida peculiar, incurável provocada por um amigo! Esse aspecto é o mais relevante do mito de Quiron.
Embora dominasse as artes médicas, Quiron não podia curar a própria ferida, essa contingência fez dele um curador.
Enquanto tratava e curava os outros ele encontrava o alívio para o próprio sofrimento.
O mito de Quiron coloca em relevo a importância de se encarar de frente, nossas dores e feridas. Esta é a condição básica para qualquer cura.
Enquanto negamos e fugimos, neutralizamos o efeito de qualquer recurso terapêutico seja médico, psicológico, espiritual e transcendental. A negação não abranda a dor. Ao contrário, aguça e intensifica o sofrimento.
Enquanto sofria, Quiron ensinava, orientava e curava. Vivia a vida, seguia em frente…
Além da dimensão existencial, há aqui uma diferença funcional, produzida por uma ferida.
Quanto à dor e à ferida, elas eram permanentes. Sim eram permanentes!
Nem por isso, ele deixou de viver e cumprir com excelência seu papel de curador, mentor e sábio.
Bjim
Feliz Ressurreição!
QUIRON: Sábio, curador e diferente...